Interpretação de texto Dom Casmurro

Leia o trecho abaixo e depois responda as questões.

CAPÍTULO LXV
A Dissimulação

    Chegou o sábado, chegaram outros sábados, e eu acabei afeiçoando-me à vida nova. Ia alternando a casa e o seminário. Os padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres. No fim de cinco semanas estive quase a contar a este as minhas penas e esperanças; Capitu refreou-me.
    – Escobar é muito meu amigo, Capitu!
    – Mas não é meu amigo.
    – Pode vir a ser; ele já me disse que há de vir cá para conhecer mamãe.
    – Não importa; você não tem direito de contar um segredo que não é só seu, mas também meu, e eu não lhe dou licença de dizer nada a pessoa nenhuma.
    Era justo, calei-me e obedeci. Outra coisa em que obedeci às suas reflexões foi logo no primeiro sábado, quando eu fui à casa dela, e, após alguns minutos de conversa, me aconselhou a ir embora.
    – Hoje não fique aqui mais tempo; vá para casa, que eu lá vou logo. É natural que D. Glória queira estar com você muito tempo, ou todo, se puder.
    Em tudo isso mostrava a minha amiga tanta lucidez que eu bem podia deixar de citar um terceiro exemplo, mas os exemplos não se fizeram senão para ser citados, e este é tão bom que a omissão seria um crime. Foi à minha terceira ou quarta vinda a casa. Minha mãe, depois que lhe respondi às mil perguntas que me fez sobre o tratamento que me davam, os estudos, as relações, a disciplina, e se me doía alguma coisa, e se dormia bem, tudo o que a ternura das mães inventa para cansar a paciência de
um filho, concluiu voltando-se para José Dias.
    – Sr. José Dias, ainda duvida que saia daqui um bom padre?
    – Excelentíssima...
    – E você, Capitu, interrompeu minha mãe voltando-se para a filha do Pádua que estava na sala, com ela, – você não acha que o nosso Bentinho dará um bom padre?
    – Acho que sim, senhora, respondeu Capitu cheia de convicção.
    Não gostei da convicção. Assim lho disse, na manhã seguinte, no quintal dela, recordando as palavras da véspera, e lançando-lhe em rosto, pela primeira vez, a alegria que ela mostrara desde a minha entrada no seminário, quando eu vivia curtido de saudades. Capitu fez-se muito séria, e perguntou-me como é que queria que se portasse, uma vez que suspeitavam de nós; também tivera noites desconsoladas, e os dias, em casa dela, foram tão tristes como os meus; podia indagá-lo do pai e da mãe. A mãe chegou a dizer-lhe, por palavras encobertas, que não pensasse mais em mim.
    – Com D. Glória e D. Justina mostro-me naturalmente alegre, para que não pareça que a denúncia de José Dias é verdadeira. Se parecesse, elas tratariam de separar-nos mais, e talvez acabassem não me recebendo... Para mim, basta o nosso juramento de que nos havemos de casar um com outro.
    Era isto mesmo; devíamos dissimular para matar qualquer suspeita, e ao mesmo tempo gozar toda a liberdade anterior, e construir tranqüilos o nosso futuro. Mas o exemplo completa-se com o que ouvi no dia seguinte, ao almoço; minha mãe, dizendo tio Cosme que ainda queria ver com que mão havia eu de abençoar o povo à missa, contou que, dias antes, estando a falar de moças que se casam cedo, Capitu lhe dissera: “Pois a mim quem me há de casar há de ser o Padre Bentinho; eu espero que ele se ordene!” Tio Cosme riu da graça, José Dias não dessorriu, só prima Justina é que franziu a testa, e olhou para mim interrogativamente. Eu, que havia olhado para todos, não pude resistir ao gesto da prima, e tratei de comer. Mas comi mal; estava tão contente com aquela grande dissimulação de Capitu que não vi mais nada, e, logo que almocei, corri a referir-lhe a conversa e a louvar-lhe a astúcia. Capitu sorriu de
agradecida.
    – Você tem razão, Capitu, concluí eu; vamos enganar toda esta gente.
    – Não é? disse ela com ingenuidade.

Obra em Domínio Público
Leia a obra completa em: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2081

ATIVIDADES | QUESTIONÁRIO SOBRE DOM CASMURRO:

1. Qual é a situação central apresentada no trecho?
2. Quem são os personagens principais envolvidos nessa situação?
3. Qual é o principal obstáculo que Capitu e Bentinho enfrentam?
4. O que significa a palavra "dissimulação". Relacione o seu significado ao contexto do trecho.
5. Identifique as falas e ações de Capitu que demonstram sua preocupação em manter o relacionamento secreto.
6. Quais argumentos Capitu utiliza para convencer Bentinho a não contar sobre seus sentimentos a Escobar?
7. Como ela age na presença de D. Glória e D. Justina para disfarçar seus sentimentos por Bentinho?
8. Analise a fala de Capitu: “Com D. Glória e D. Justina mostro-me naturalmente alegre, para que não pareça que a denúncia de José Dias é verdadeira.” O que essa fala revela sobre sua inteligência e estratégia?
9. Como Bentinho reage às orientações de Capitu sobre o segredo com Escobar?
10. Analise a passagem em que Bentinho relata o conselho de Capitu para que ele fosse embora mais cedo de sua casa. Qual a justificativa dela?
11. Como Bentinho interpreta a fala de Capitu sobre seu futuro como padre? Qual sua reação inicial e qual sua reação posterior?
12. Releia a frase final de Bentinho: “Você tem razão, Capitu, concluí eu; vamos enganar toda esta gente.” O que essa conclusão pode sugerir sobre a cumplicidade entre os dois?
13. Qual a expectativa de D. Glória em relação ao futuro de Bentinho? Como isso é expresso no diálogo com José Dias e Capitu?
14. Qual a opinião de José Dias sobre o futuro de Bentinho como padre? Sua reação à fala de Capitu pode sugerir alguma desconfiança?
15. Como prima Justina reage à fala de Capitu sobre se casar com a celebração do Padre Bentinho? O que seu olhar interrogativo pode indicar?
16. Qual a importância da dissimulação para a manutenção do relacionamento de Capitu e Bentinho?
17. Quais os riscos e as possíveis consequências dessa dissimulação?
18. O que esse trecho da obra de Machado de Assis revela sobre a construção da complexidade dos personagens de "Dom Casmurro"?
19. Produza um parágrafo refletindo:  Há alguma ironia presente nas falas ou na descrição das situações? Se sim, onde e qual o seu efeito? Identifique passagens do trecho que revelem a sutileza da linguagem de Machado de Assis. Como a narração em primeira pessoa de Bentinho influencia a nossa percepção dos eventos e dos outros personagens?
20. Pesquise sobre o contexto histórico e social da época em que se passa a história de "Dom Casmurro" e relacione com as motivações da dissimulação apresentada no trecho.

GABARITO
Este gabarito oferece direcionamentos para a análise e discussão, mas as respostas dos alunos podem variar, desde que bem fundamentadas.

1. Capitu e Bentinho precisam manter seu relacionamento amoroso em segredo devido ao plano de D. Glória de enviar Bentinho para o seminário.
2. Capitu e Bentinho.
3. O desejo de D. Glória de que Bentinho se torne padre e a desconfiança de José Dias.
4. Dissimulação: Ato de ocultar ou disfarçar sentimentos, intenções ou a verdade para evitar suspeitas ou alcançar um objetivo. No trecho, Capitu e Bentinho precisam esconder seu amor para poderem ficar juntos no futuro.
5. Ela aconselha Bentinho a ir embora mais cedo de sua casa, justificando com o desejo da mãe dele de passar tempo com o filho, mas possivelmente para evitar que fiquem muito tempo sozinhos e levantar suspeitas.
6. Capitu impede Bentinho de confiar em Escobar, alegando que ele não é amigo dela e que o segredo pertence a ambos.
7. Na presença de D. Glória e D. Justina, Capitu se mostra alegre e concorda com a ideia de Bentinho ser padre, demonstrando convicção para afastar as suspeitas levantadas por José Dias.
8. A fala de Capitu revela sua inteligência estratégica e sua capacidade de pensar nas consequências de suas ações. Ela entende que precisam parecer alinhados com os desejos de D. Glória e D. Justina para evitar uma separação.
9. Bentinho inicialmente aceita a orientação de Capitu, demonstrando uma certa submissão ou confiança na inteligência dela. Isso sugere uma dependência emocional e talvez uma menor capacidade de articulação estratégica.
10. A justificativa de Capitu para que ele fosse embora mais cedo parece plausível para Bentinho, mas pode esconder a intenção de evitar momentos íntimos que poderiam ser percebidos.
11. Bentinho inicialmente não gosta da convicção de Capitu ao concordar com seu futuro como padre, pois isso parece negar seus sentimentos. No entanto, ao perceber a estratégia por trás da fala dela, ele se alegra e elogia sua astúcia, mostrando sua aceitação da dissimulação como meio para ficarem juntos.
12. A conclusão de Bentinho ("vamos enganar toda esta gente") sela a cumplicidade entre os dois e demonstra sua adesão ao plano de dissimulação para concretizar seu amor.
13. D. Glória tem uma forte expectativa de que Bentinho se torne padre, vendo nisso uma realização e um futuro para o filho.
14. José Dias parece manter uma certa desconfiança em relação à vocação de Bentinho, possivelmente percebendo o afeto entre ele e Capitu. Sua falta de sorriso à fala dela pode indicar essa dúvida.
15. O olhar interrogativo de prima Justina sugere que ela percebe a possível insinceridade na fala de Capitu e desconfia dos verdadeiros sentimentos entre os jovens.
16. A dissimulação é crucial para a manutenção do relacionamento, pois a concretização do plano de D. Glória de enviar Bentinho para o seminário impediria qualquer futuro juntos.
17. Os riscos da dissimulação incluem a possibilidade de serem descobertos, a necessidade de manter uma constante vigilância sobre suas falas e ações, e o potencial para gerar ressentimento ou desconfiança entre os envolvidos.
18. Este trecho contribui para a construção da complexidade dos personagens ao revelar suas estratégias, motivações ocultas e a dinâmica de poder na relação entre Capitu e Bentinho. A perspicácia de Capitu contrasta com a certa ingenuidade de Bentinho, e a desconfiança dos outros personagens adiciona tensão à narrativa.
19. Resposta pessoal. Exemplo: A linguagem é sutil, com as verdadeiras intenções dos personagens muitas vezes subentendidas nas entrelinhas dos diálogos e nas descrições dos narrador. Há uma ironia sutil na forma como Bentinho relata os eventos, muitas vezes sem perceber totalmente as manipulações de Capitu ou as desconfianças dos outros. A "graça" da fala de Capitu sobre se casar com o Padre Bentinho, que diverte tio Cosme mas não José Dias, é um exemplo de ironia situacional. 
A narração em primeira pessoa de Bentinho é fundamental, pois somos apresentados aos eventos através de sua perspectiva limitada e muitas vezes ingênua, o que contribui para a ambiguidade da narrativa e nos força a inferir as verdadeiras motivações dos outros personagens, especialmente Capitu.
20. Resposta pessoal.

Lembre-se de enfatizar que a interpretação literária é um processo subjetivo e que diferentes leituras são válidas, desde que fundamentadas no texto. O objetivo principal é estimular o pensamento crítico e a capacidade de análise dos alunos.

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Exercícios de Interpretação e Compreensão de Texto: Trecho de Dom Casmurro, obra de Machado de Assis, escritor representante do Realismo no Brasil

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